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A ORIGEM DO TRAADO DE PORTO ALEGRE

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A ORIGEM DO TRAADO DE PORTO ALEGRE
Gnter Weimer
Arquiteto

A discusso sobre as origens do traado urbano de Porto Alegre no recente. Para alguns, a cidade foi fundada em 5 de novembro de 1.740, posto que naquela data foi expedida a Carta de Sesmaria a Jernimo Dorneles de Menezes e Vasconcelos. Alis, o prprio nome deste sesmeiro continua objeto de controvrsia, porque h quem jure que ele seria d'Ornellas, pois assinava deixando um pequeno espao ente o "D" e o "o" - que, por sinal, era escrito em letra minscula. Esquecem-se estes autores que um nico documento no pode ser conclusivo, e que h muitos outros em que sua grafia claramente Dorneles. Alis, o primeiro nome do local foi Porto do Dorneles.

Para outros, a cidade teria sido fundada poca da guerra Guarantica, quando os aoritas que haviam se estabelecido em Santa Catarina, foram chamados para ocupar o territrio das Misses, trocado pela Colnia do Sacramento por fora do tratado de 1.750, entre as duas coroas ibricas. Como sabido, enquanto se processava o deslocamento dos aoritas, o tratado foi denunciado e os migrantes ficaram ao Deus-dar, vindo um contingente a se estabelecer, em 1.752, nalgum lugar - de localizao controvertida - na pennsula sobre a qual haveria de surgir a cidade.

Outra verso surgiu em 1.940, quando Tupi Caldas apresentou um esboo de reconstituio do traado que teria sido feito pelo engenheiro militar Alexandre Jos Montanha (Macedo, 1.969:54) quando da fundao da cidade, em 1.772, em trabalho exposto no III Congresso Sul Riograndense de Histria e Geografia (1.940:1527-80). Curiosamente, o desenho original nunca foi descoberto. Mesmo assim, a "reconstituio" de Tupi Caldas tem sido aceita, se no como verdadeira, pelo menos "o trabalho no ficou muito longe da verdade" (Macedo, 1.968:53). Mais curioso ainda que a moda pegou e hoje rolam por a diversas verses que se dizem reprodues do traado realizado por Montanha.

Como se percebe, no tem faltado motivo para contendas.

Estas discusses, em parte, j perderam a sua atualidade porque ningum mais - a no ser alguns de seus descendentes - defende a tese da fundao da cidade por Jernimo Dorneles, j que o mesmo morou para os lados de Viamo, no Morro de Santana, em lugar incerto e no sabido - apesar de alguns palpiteiros jurarem conhecer o local exato. A questo da fundao da cidade pelos casais aorianos bem menos consensual - apesar das evidncias de terem arranchado na pennsula, causaram molstia ao sesmeiro e tudo est a indicar que o atentado perpetrado por seu filho contra Antnio Agostinho Castel Branco, seu vizinho, na realidade, era dirigido contra algum ilhu. O mal-estar causado pelo erro do atentado foi o motivo da venda, em 1.762, da sesmaria a Igncio Francisco, e de sua mudana para Triunfo, onde moravam seus filhos. De qualquer modo, a situao irregular de ocupao do chamado Porto do Dorneles pelos aorianos, levou a que se gestionasse por uma soluo pacfica para os interesses antagnicos, fato que foi encontrado pelo governador Jos Custdio de S e Faria. Faria, estando s voltas com a ameaa de retomada pelos castelhanos de todo o Continente - estes j haviam tomado a cidade de Rio Grande - definiu a estratgia de fortificar a margem setentrional do rio Jacu para conter eventuais avanos platinos e, neste contexto, fundou a cidade de Taquari com a inteno logstica de apoiar a manuteno do forte que construiu junto ao o do rio de mesmo nome. Para tanto, deslocou os casais arranchados na pennsula para aquela vila, em razo do que, a agem destes aorianos pela futura capital nada mais foi do que um simples episdio sem conseqncias.

Resta, portanto, examinar a pretensa autoria de Montanha do plano urbanstico da vila. sabido que, quando o governador Jos Marcelino de Figueiredo desapropriou a sesmaria de Igncio Francisco, em 1.772, para transferir a capital para o promontrio na beira do Guaba - local de fundamental importncia estratgica e poltica na ocupao e reconquista do Continente para a coroa portuguesa - efetivamente, encarregou o Capito Montanha de demarcar "a praa em novo lugar" e dividir o restante da sesmaria em datas (Caldas, 1.940:1548). Em Augusto Porto Alegre (1.906:11) est transcrito o Auto de Avaliao que mostra, com todas as mincias, como o nmero de rvores frutferas e nativas, alm de todas as benfeitorias onde no falta nem mesmo a retrete que estava coberta de telhas. Apesar de todo este esmero no levantamento, no h qualquer referncia a alguma construo que possa ter pertencido aos aorianos (Escosteguy, 1.993:36/37). Isto leva a ver que os ranchos dos aoritas foram de palha e que possam ter desaparecido no lapso dos dez anos, entre a sua mudana para Taquari e a desapropriao.

Na documentao examinada, no foi encontrada qualquer explicitao de que Jos Marcelino tivesse ordenado a Montanha que fizesse um plano de arruamentos para a futura cidade. De concreto, sabemos que Montanha foi encarregado a fazer o acompanhamento do assentamento da vila de Santo Amaro. Em razo disso, fez o traado do plano urbano daquela vila. Trata-se, neste caso, de um plano plenamente de acordo com o que se chamava ento de mestres clssicos, isto , de um traado de ruas ortogonais que se espraiam por sobre um terreno levemente inclinado.

Este arruamento comea junto ao Guaba, onde deveria ser construdo o porto, e sobe ao longo de ladeiras, at o , onde est localizada a praa central na qual est construda a imponente matriz que, embora inspirada na de Viamo, no deixa de ser uma expresso da mais autntica arquitetura popular. Este plano est a demonstrar que, se Montanha no estudou na Real Academia de Armas, em Lisboa, tinha plenos conhecimentos dos postulados que l eram ensinados.

A existncia do plano de Santo Amaro que, comprovadamente, de sua autoria, levanta uma questo evidente: como um autor de um plano to acadmico poderia ter realizado um projeto de cunho to popular? Como explicar que um profissional de to slidos conhecimentos eruditos, haveria de abdicar de toda sua formao para se dedicar a uma empirista de cidade? Certamente, aqui h uma contradio muito difcil de ser explicada, o que induz diretamente hiptese de que o plano de Porto Alegre no seria de sua autoria.

Para apresentar a nossa hiptese sobre a origem deste traado, necessrio voltar histria de Portugal e de sua urbanizao. Desde remota antigidade, como herana do domnio dos celtas, por volta de 900aC, as aldeias da Pennsula Ibrica vm sendo construdas no das elevaes. Este modelo de traado s viria a ser contestado muito mais tarde, quando a Pennsula ou para o domnio de Roma.

Com sua poltica expansionista e de dominao, Roma proveu seus territrios de uma rede de estradas ortogonais cuidadosamente planejada, cuja rigidez de traado s viria a ser quebrada quando algum obstculo de difcil transposio o impedia. Nos ns desta rede eram implantados centros de controle, que podiam ser um simples destacamento, um castelo fortificado, uma vila ou, at mesmo, uma cidade. Seja qual fosse a variante, sempre se tratava de um organismo de represso e controle, cuja origem repousava no cruzamento de duas vias ortogonais entre si. Com o desenvolvimento destas conurbaes, a ampliao da rea ocupada era realizada a partir da abertura de ruas paralelas s estradas de origem, de modo a que as cidades apresentassem sempre uma rede de ruas paralelas e ortogonais. Como as estradas geradoras estavam localizadas, sempre que possvel, nas partes mais planas do terreno, estas conurbaes surgiam em terrenos sem acidentes grficos significativos, o que permitia que o traado de vias se estendesse indefinidamente. A rede de rgida ortogonalidade favorecia o surgimento de uma marcante hierarquizao dos espaos e dos equipamentos que os compunham. Esta ortodoxia haveria, mais tarde, de servir de modelo para as ordenaes dos reis espanhis e de paradigma dos ensinamentos praticados na academia militar lisboeta antes referida.

Posteriormente, de 400 a 700dC, aproximadamente, a Pennsula foi dominada por povos germnicos, os assim chamados brbaros. Estes povos voltaram ao modelo tradicional de vilas, anterior aos romanos, e lhes imprimiram caractersticas prprias. Entre os suevos que se estabeleceram na regio que viria a ser Portugal, era praticada a assim chamada Strassendorf, isto , a aldeia-rua. Esta se caracterizava por construes que se agrupavam ao longo de uma via pblica que - no caso da Pennsula Ibrica - ava pelo divisor das guas, pelo dos morros, segundo a herana na tradio celta. Em seu centro ficava a praa principal, onde estavam localizadas as construes mais importantes como a matriz, a prefeitura, a cadeia, o pelourinho.

Como o divisor de guas apresentava contornos naturais, a rua acabava por assumir um traado livre, isto , sem geometrizao rgida. Em geral ela era denominada de Rua Direita, designao que estava em confronto direto com o seu traado fsico. Para entender esta contradio, deve ser assinalado que a origem deste nome provm do fato de ela levar direito - entendido como direto - praa central. A sarjeta desta rua ficava ao seu centro para que a ela flusse a gua servida e ficasse o lixo que nela se acumulava espera que a primeira enxurrada o levasse embora. Por esta razo, nos pontos mais baixos desta rua surgiam becos perpendiculares que conduziam o lixo morro abaixo, para fora da vila, indo adubar as terras agricultadas.

Se a aldeia se tornasse maior, podiam surgir ruas paralelas rua principal, que confluam num largo comum, numa extremidade no qual, quando a aldeia era murada, estava localizado o porto de o. Por esta razo que este largo recebia o nome de Praa do Porto.

Isto significava que, na formao do povo portugus, estavam presentes tradies contraditrias quanto ao traado de suas cidades, que foram se adaptando s circunstncias e eram praticados conforme o nvel de cultura e de formao tnica dos diversos grupos. Enquanto as classes dos nobres e cristos velhos se filiavam mais tradio romana, os nortistas ficavam mais prximos das tradies brbaras e os sulistas valorizavam mais a tradio mourisca

Os espritos mais atentos devem ter percebido que a descrio das aldeias portuguesas de tradio sueva cabe, como uma luva, na forma mais antiga documentada de Porto Alegre. A Rua Direita, aqui, corresponde antiga rua da Igreja - a atual Duque de Caxias -, que apresenta todas as caractersticas de traado irregular e termina na praa do Porto que, possivelmente, pelos antecedentes histricos, j fosse assim denominada bem antes da construo do muro de proteo da cidade com seu porto, em plena guerra dos Farrapos.

Na verdade, a rua da Igreja tem caractersticas prprias, que no se repetem no restante das ruas vizinhas. Isto est a mostrar que as ltimas devem ter surgido em condies diversas. A rua da Praia - que terminava na praa da Alfndega - e o trecho correspondente da rua da Ponte - atual Riachuelo -, foram objeto de um cuidadoso traado que fica evidente pelos seu perfeito alinhamento, o que mostra que foram demarcadas com cordel e esquadro, como rezavam as ordenaes reais. Isto est a indicar que, estas sim, podem ter sido objeto de um planejamento que, no entanto, incorporou os becos transversais existentes posto que, at hoje, podemos ver que eles a cruzam exatamente em suas depresses.

O trecho seguinte correspondente ao terreno existente entre a praa da Alfndega e do Porto. Neste trecho, o traado foi feito revelia dos acidentes grficos, como esto a mostrar o cotovelo da rua da Ponte e as ngremes ladeiras da rua da Ladeira - atual General Cmara - e do beco do Poo - absorvido pela Borges de Medeiros. Esta rea apresenta caractersticas que podem ter sido originrias de um planejamento devido regularidade de seu traado. Porm, a falta de paralelismo e ortogonalidade das ruas entre si e a irregularidade com que se insere a rua Nova - Andrade Neves -, demonstra que esta deve ter sido uma rea menos nobre da cidade, o que poderia explicar o desleixo com que as vias foram locadas.

Este comportamento fica ainda mais claro com o traado das ruas ao sol do promontrio, respectivamente, com as ruas do Arvoredo - Fernando Machado -, da Varzinha - Demtrio Ribeiro -, e da Prainha - Washington Luiz. A a irregularidade marcante e, pelas gravuras de Wendroth (s.d, s.p.), sabemos que, em meados do sculo ado, esta rea apresentava uma densidade populacional muito escassa, o que mostra que deve ter sido a ltima rea a ser ocupada do permetro central da cidade.

Esta deve ter sido a situao que perdurou at o fim da guerra dos Farrapos, quando ento a cidade comeou a ser objeto de um procedimento mais cuidadoso na questo do traado virio, como fica demonstrado nos desenhos das novas ruas pelos dois lados do promontrio, nos aterros que comearam a ser realizados pelo lado setentrional e pela ocupao da cidade baixa pelo lado sul. Estas reas foram comprovadamente planejadas como demonstram os projetos assinados por Friedrich Heydtmann.

Tudo isto mostra que a cidade deve ter se formado independentemente de qualquer planejamento a partir ou como extenso da definio da praa central - da Matriz, hoje Mal. Deodoro. O surgimento da conurbao deve ser regido exclusivamente pelas mais antigas tradies lusitanas, que resultaram de um amlgama das mais diferentes culturas, dentre as quais se encontram resqucios evidentes dos celtas e dos suevos. bem possvel que, na incorporao das reas mais nobres, tenha havido alguma proposta de um traado apriorstico, porm, a implementao do sistema virio mostra que no houve um controle de sua implantao. bem evidente que, nas reas ocupadas por pessoas de menor poder aquisitivo, este controle era ainda mais tnue, possivelmente, inexistente, o que permite o surgimento de um sistema virio bastante irregular conforme rezava a tradio moura.

Comprovadamente, os procedimentos de planejamento acadmicos acompanhados de um rgido controle da sua implantao, foram empregados a partir do fim da Guerra dos Farrapos e h boas razes para se supor de que esta possa ter sido uma inovao. O traado atual do sistema virio deve ter se consolidado com correes posteriores, com as retificaes e nivelamentos das ruas realizadas por volta de 1.850. E tudo isto est a indicar que com o Capito Montanha aconteceu como a Pilatos que entrou no Credo sem ter nada a ver com o peixe...

CALDAS, Jaci Antnio Louzada Tupi. Porto Alegre: sntese histrica - de estncia capital. Anais do III Congresso Sul-RioGrandense de Histria e Geografia. Porto Alegre, Globo, 1940, p. 1527/80.

ESCOSTEGUY, Luiz Felipe Alencastre. Produo e uso dos espaos centrais a beira-rio em Porto Alegre (1809-1860) (IF). Porto Alegre, PUCRS, 1993, dissertao de mestrado.

MACEDO, Francisco Riopardense de. Porto Alegre, origem e crescimento. Porto Alegre, Sulina, 1968.

NEIS, Ruben: Jernimo de Ornellas. Porto Alegre-Triunfo. Correio do Povo, 8 nov. 69, p.11 e Cadernos de Sbado, Correio do Povo, 15 nov. 69, p. 4.

PORTO ALEGRE, Augusto. A fundao de Porto Alegre. Porto Alegre, Globo, 1906.

WENDROTH, Hermann Rudolf. Aquarelas. Porto Alegre, Governo do Estado, s.d.

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